Quadrilha especializada em sabotar trilhos faz roubos a trens dispararem em SP: já são 244 ataques em dois meses

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Polícia investiga organização criminosa que fez casos se multiplicarem no último ano

Pequenos saques feitos durante a passagem de trens de carga pela Baixada Santista costumavam ser vistos como crimes comuns, até famélicos, feitos por moradores de comunidades à beira do trecho final dos trilhos na chegada ao Porto de Santos. Foi assim até o ano passado, quando as ações se multiplicaram.

Em 2022 foram 150 ocorrências de roubo de soja, farelo de soja, açúcar e milho, boa parte delas com sabotagem nos trens para obrigá-los a parar. Apenas nos dois primeiros meses deste ano, os registros já alcançaram 244.

— Percebi que havia uma reiteração de casos e que havia ligação entre eles, com líderes, típica de grupos criminosos. O objetivo era o lucro e tinha demanda no mercado paralelo. Sem interesse de compra, não existe o roubo — afirma o delegado Fabiano Fonseca Barbeiro, responsável pela regional do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) na Baixada Santista desde janeiro passado.

O promotor Silvio de Cillo Loubeh, do Gaeco de Santos, conta que o crime se profissionalizou a partir do trabalho de “vassourinhas”, pessoas que percorriam os trilhos para pegar grãos que caem nos trilhos.

Em pequena quantidade e com sujeira, o produto era desvalorizado, mas mesmo assim era repassado para fazer ração. Essas mesmas pessoas passaram a subir nos vagões, numa ação perigosa, para pegar parte da carga por cima em pontos de parada das composições, mas ainda assim o reflexo econômico não era grande e não interrompia a circulação dos trens.

Avanço da sabotagem

Desde o ano passado, porém, cresceram as ações de sabotagem nas vias e nos trens para forçá-los a parar. A carga passou a ser retirada em grande quantidade, com a abertura do alçapão dos vagões em vários pontos da Baixada Santista, principalmente o das comunidades de Vila Esperança, no município de Cubatão, e Fazendinha, em São Vicente. Reportagem exibida pelo Fantástico mostrou flagrantes da violência.

Sacos de ráfia, próprios para acondicionar 50 quilos de soja, o principal produto do roubo, eram comprados e distribuídos nas comunidades. Quando os trens eram obrigados a parar, pela ação dos sabotadores, grupos de até 30 pessoas se encarregavam de enchê-los.

Cada um enchia a quantidade que conseguia transportar, seja em carros de passeio, caminhonetes ou até pequenos caminhões de mudança. Da beira dos trilhos os grãos eram levados, já ensacados, para as chamadas “casinhas”, depósitos criados dentro das comunidades ou em área de mato para guardar a soja até que pudesse ser transportada até os intermediários — empresas de comercialização de grãos que obtinham notas falsas para revender o produto a grandes compradoras.

Ou seja, o crime passou a ser fomentado. Na comunidade, a saca de soja valia no máximo R$ 30. O preço do grão varia diariamente. Em 2022, chegou na casa de R$ 200.

— O grão furtado não custa nada e, por isso, o primeiro intermediário vende a preço muito baixo. O receptador, por sua vez, vende bem mais caro e tem certeza do mercado porque a qualidade do grão é de exportação, muito boa — diz Loubeh.

Galpões de receptação fechados

Para se ter uma ideia da proporção do furto, cada trem leva até 106 vagões, cada um deles com cerca de 90 toneladas de grãos. Um único vagão esvaziado rende até 1.800 sacas de 50 quilos.

Segundo o delegado Barbeiro, pelo menos oito galpões de receptação da soja roubada já foram fechados em São Vicente, Guarujá, Santos e Cubatão. Num deles, em Santos, foram apreendidas 130 toneladas de soja. Uma carreta de 30 toneladas estava sendo carregada e entregaria o produto ao comprador final. Ao mesmo tempo, um caminhão-baú de mudança levava 7 toneladas para entregar ao receptador.

A organização dos criminosos é tão grande que as empresas receptadoras chegam a transferir a soja para as conhecidas big bags, sacolas gigantes que carregam até uma tonelada e costumam ser usadas para entregas em grandes companhias. Durante a pandemia, com a falta de contêineres, as big bags chegaram a ser usadas inclusive para exportação de grãos.

Em abril do ano passado, a Polícia Militar chegou a apreender 116 big bags recheadas com soja, açúcar e fertilizantes na ilha de Paquetá, em Santos, sem documentação. O proprietário, que está entre os investigados, alegou que comprou sobras de vagões e armazéns.

— É um outro perfil de roubo. É uma organização criminosa com empresas que viviam exclusivamente da compra e venda dos produtos roubados dos trens. Já identificamos dois grandes receptadores, que centralizavam as compras que chegavam das “casinhas” e revendiam no mercado — afirma o delegado.

Inquéritos em andamento

Segundo Barbeiro, as operações policiais, incluindo as parcerias com o Gaeco, resultaram na prisão de 114 pessoas, entre eles um integrante da facção criminosa que atua nos presídios paulistas e é apontado como o organizador das comunidades. Ele é conhecido como Cabeleira. Foram recuperadas mil toneladas de soja da empresa Rumo e 52 mil litros de óleo diesel levado dos trens.

— São cerca de 17 mil quilômetros de linhas férreas para transporte de soja. O trecho da chegada a Santos tem apenas sete quilômetros da malha, mas é nele que aconteceram 50% das ocorrências de roubo de toda a linha. Era um negócio monstruoso, fora do normal — diz o delegado.

Vários inquéritos estão em andamento e dois grandes receptadores foram identificados. Um deles é conhecido como “rei da soja” e o outro é dono de uma fábrica de ração no Paraná. O empresário teria sido cliente do “rei da soja” e depois decidiu montar seu próprio esquema para lucrar mais. Os dois ainda não estão presos porque não houve flagrante e as investigações estão em andamento. O “rei da soja” alega que os grãos de soja são obtidos com “varrição” dos trilhos. O objetivo da polícia e do Gaeco, agora, é encontrar também quem são os compradores finais.

FONTE: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/05/com-sabotagens-roubos-a-trens-de-carga-se-multiplicam-em-sao-paulo.ghtml

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